
Baseado em uma peça de teatro homônima, Pieces of a Woman, 2020, vem consquistando cada vez mais os brasileiros na plataforma queridinha do público (Netflix). O longa é o primeiro filme de língua inglesa do diretor húngaro Kornél Mundruczó, mais conhecido por “Deus Branco”, de (2014) e “Lua de Júpiter”, (2017), e roteirizado por Kata Wéber. A narrativa acompanha o luto de uma mulher que após uma experiência de luto traumática precisa recomeçar.
O filme assume uma proposta de passagem do tempo através das estações do ano e da montagem, onde tais recursos trazem um prelúdio dos acontecimentos da vida da personagem, Martha Weiss, vivida por Vanessa Kirby. No entanto, o que inicialmente poderia incomodar na atuação da protagonista, na verdade é um recurso de interpretação dificílimo: demonstrar apatia e pouca reação aos acontecimentos em um universo de atuação minimalista. Entendam, a chance que uma atuação desse tipo ser confundida com uma atuação apática é enorme. Porém, não é o que acontece aqui. Vanessa segura a onda tão bem durante a essa jornada que deixa claro o suficiente que foi a personagem quem desaguou na apatia, não a atuação. Esse tipo de atuação me lembra muito o personagem Benjamin Braddock, vivido por Dustin Hoffman em A Primeira noite de um homem (1968), de Mike Nichols. Assim como Kirby, Roffman interpreta um personagem rico em apatia, onde nada que venha a acontecer é capaz de mudar isso.
O mais incrível e chocante no filme é como o diretor consegue captar e alongar a cena chave do filme com tamanho realismo e sensibilidade. É praticamente uma experiência sensorial. Kornél Mundruczó deu uma entrevista ao site Looper sobre esta cena, e disse:
“Tivemos uma oportunidade incrível com uma
mãe em Montrel. Ela nos deu a oportunidade de
filmar com o bebê, e também fez parte daquela
cena”.
“Tivemos uma oportunidade incrível com uma mãe em Montrel. Ela nos deu a oportunidade de filmar com o bebê, e também fez parte daquela cena”.
O diretor ainda traz algumas decisões inteligentes, como o desenrolar de alguns fatos importantes para trama acontecerem fora de tela, com isso o espectador fica mais atrelado a dor, emoção e esperança. Não necessariamente apenas uma cena pesada de morte que nos despertaria luto e tragédia. E basicamente é assim que o filme se comporta, colocando em centralidade o recomeço de uma mulher que viveu uma experiência trágica e ainda precisa lidar com a sociabilidade do depois.
Aliás, essa sociabilidade é um caso à parte no filme. Todos ao redor da protagonista se comportam como se o luto não precisasse ver vivido. Assumem posturas do tipo, “bola pra frente. Vamos viver”, porém, cada um tem o seu tempo de vivência e desapego em uma situação assim. Corrijo-me: não acredito que o desapego é possível, independente do tempo. A mãe da personagem passa boa parte do tempo tentando tomar decisões pela filha, o esposo assume a mesma postura e quando menos se espera, ele decide sorrateiramente por ele mesmo qual caminho seguir, quando e com quem. Sério. Esse personagem me dá nojo, assim como as acusações em que o ator Shia LaBeouf atualmente está enfrentando, de violência doméstica. Inclusive, muitos internautas estão comparando o ator ao personagem.
A dinâmica entre o casal protagonista começa em um nível incrível, com demonstrações de afeto, carinho e parceria mas vai se afundando ao passo que os acontecimentos consomem a vida de ambos. É um filme triste e com pouco viés de recomeço, mas com muitos traços de realismo. Não há floreio, não há serenidade e boas escolhas do casal para suportar o momento. O que há são apenas dois sobreviventes reagindo a dor à sua maneira. Puro, real e triste.