A escolha de “Anora” como vencedor da Palma de Ouro em Cannes reforça como a indústria cinematográfica, muitas vezes, privilegia narrativas que falham em capturar a verdadeira complexidade feminina. O filme se apresenta como uma tentativa de desconstrução do conto de fadas moderno representado por “Uma Linda Mulher” (1990), mas, em vez de oferecer uma reflexão inovadora, acaba resvalando em uma versão desordenada e superficial de “Se Beber, Não Case” (2009).

A protagonista, inicialmente construída como uma figura independente e determinada, logo se vê reduzida a uma personagem movida por carência e pela necessidade de validação masculina. Pode-se argumentar que essa seja uma tentativa do diretor de criticar a ilusão da mulher forte e independente, revelando que, na verdade, ela é frágil e sem vontades próprias. No entanto, essa abordagem se perde no desenvolvimento raso da narrativa, deixando a impressão de que o filme apenas reforça os estereótipos que pretende desconstruir. O que poderia ser uma jornada de autodescoberta e resistência se transforma em uma busca desesperada por aceitação, onde qualquer demonstração de atenção por parte dos homens é suficiente para que ela abra mão de sua autonomia. A promessa de uma narrativa que desafia convenções femininas se desfaz rapidamente, revelando um retrato estereotipado e unidimensional.
Além disso, o filme utiliza o terror comum às mulheres, como a ameaça do estupro, de maneira irresponsável. Uma cena que deveria carregar peso e denunciar a vulnerabilidade feminina acaba sendo minimizada e tratada de forma cômica, o que reforça a falta de sensibilidade do diretor ao lidar com temas que exigem mais profundidade e respeito.

Escrita de forma rasa e claramente sob a ótica de um homem que acredita entender a complexidade feminina, a personagem carece de profundidade, o que enfraquece ainda mais a narrativa. Enquanto o filme se vende como uma grande crítica ao capitalismo e ao sonho americano, essas reflexões já foram muito melhor trabalhadas em filmes dirigidos por mulheres, como “Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre” (Eliza Hittman, 2020), “Os Excluídos” (Chloé Zhao, 2017) e “Garota Sombria Caminha Pela Noite” (Ana Lily Amirpour, 2014). Nessas obras, a exploração da vulnerabilidade feminina e da luta contra um sistema opressor acontece com nuances e camadas, ao contrário da abordagem superficial de “Anora”.
Na cena final, a protagonista oferece aquilo que aprendeu ser seu único recurso: seu corpo. Esse desfecho, longe de ser uma crítica contundente, apenas reforça o olhar limitado do filme sobre sua própria personagem, resumindo-a ao que a sociedade patriarcal já impõe às mulheres. O longa desperdiça o potencial de construir uma figura feminina forte e multifacetada e, em vez disso, perpetua os mesmos estereótipos que finge criticar.